quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Metástase

Que grande merda é o nosso sistema de saúde. Infelizmente só vim perceber quando mais precisei.

Passei mal mês passado e fui ao hospital. Era mais medo meu do que perigo real, mas resolvi fazer uma bateria de exames depois disso. As experiências que passei nesse contato com o sistema de saúde me deixaram indignados.

Primeiro a questão do plano de saúde. Se você não possui um plano de saúde você pode morrer na frente do hospital se te levarem pro hospital errado. Cada lugar tem sua própria lista de atendimento a planos e você pode dar ao azar do seu amigo te levar no hospital que sempre atendeu ele, mas que não aceita seu plano. Ou você tem grana pra pagar particular ou dançou.

Eu achei que estava infartando. Entrei no hospital com a cara feia, a mão no peito e gritando: ESTOU INFARTANDO !!! ESTOU INFARTANDO!!! Imaginem a cena. De imediato um enfermeiro veio em minha direção, me encaminhou para um quarto onde haviam várias macas. Quando fui me deitar ele disse: "Você tá com a carteirinha do convênio?"

Eu, quase sem ar, tirei minha carteira do bolso e entreguei-lhe a carteirinha. Aí iniciou-se o tratamento. Em um dos melhores hospitais sorocabanos.

Que valor eles dão pra minha vida? Eles deviam me tratar, me curar, pra depois ver meu convênio. Se eu não tivesse aí teria uma grande dívida no meu nome, mas estaria vivo. Mas eles só agem desse jeito em situações de emergência, que nos hospitais brasileiros é pelo menos uma amputação.

Ontem fui em outro hospital, um dos melhores de Piracicaba. Fui fazer um eletrocardiograma. Depois de terem me feito andar por todo o hospital achando que eu queria um ecocardiograma, me mandaram pro local certo, um ambulatório conveniado ao hospital que fica há duas quadras de distância. Eram 17:00 horas.

Entrei dizendo que queria fazer o eletro e entreguei a guia e a carteirinha do convênio pra atendente. Ela passou por uma porta no fundo e voltou dentro de alguns minutos. Disse-me: "A enfermeira que faz o eletro não chegou ainda. Vai demorar pra chegar." Eu, que queria resolver o assunto o quanto antes, falei que esperava, enquanto ela mudava a expressão e dizia: "Então, na verdade tão limpando o equipamento, e vai demorar." Eu olhei meio sem entender, e de repente entendendo tudo pela cara de "esfoçada" da antendente perguntei se ela achava melhor eu voltar amanhã. Ela sem perder tempo já me falou que o ideal era vir no período da manhã. Ótimo.

Saí em direção ao laboratório, outro conveniado do hospital que fica nas redondezas. Eu já sabia que não poderia fazer os exames pois não estava em jejum, mas queria ao menos perguntar se havia algum outro procedimento específico para os exames. Estava fechado. Eram 17:30. Vi que tinha gente lá dentro e pensei em bater na porta, mas antes que eu o fizesse uma moça abriu perguntando o que eu queria. Feliz com sua atenção mostrei-lhe a guia dos exames e ela me disse para fazer jejum de 12 horas, que os exames podiam ser colhidos todos no local, inclusive o de urina que não precisava ser a primeira do dia como muitos pensam. Falou também que o horário de atendimento era das 7:00 às 17:00, além de me entregar o pote para o exame de fezes.

Maravilha, jantei umas 10:00 da noite e comecei a jejuar. No dia seguinte, acordei um pouco mais cedo, dei uma bela cagada matinal onde já fiz a coleta das fezes e resolvi fazer o eletro primeiro, por causa do horário. Fui com o pote de fezes no bolso.

O local estava lotado. Apenas uma atendente (a mesma que se confundiu nas respostas) preenchia as fichas, enquanto outras duas conversavam lá nos fundos, mexendo em alguns papéis. Depois de uma hora de espera é que a outra atendente resolveu preencher umas fichas pra agilizar a fila. E isso que estamos falando de um hospital particular, onde todos ali tinham convênio.

Já eram 11:30 quando terminou o eletro e fui para o laboratório. Cheguei entregando a guia para os exames quando recebi um belo: "O horário de coleta é das 7:00 às 10:30..." Eu falei: "como assim, a moça me falou que era até às 5 da tarde", e ela: "O atendimento é até às 5, a coleta é até às 10 e meia”. “O quê?”, “Até as 5 é pra retirar os resultados”, “Mas eu vim aqui ontem e me falaram...”, “Não! Mas como é que você ia fazer os exames? Tem que colher tudo aqui de manhã. O sangue, a urina, as fezes... E a enfermeira já foi embora”, “Mas a urina ela falou que nem precisava ser a primeira do dia”, “Não, não precisa. Se quiser eu te dou os potes pra colher a urina e as fezes.”

Eu, que já estava quase grudando no pescoço dessa mulher que estava trabalhando de extrema má vontade, lembrei de repente do pote de merda no meu bolso e disse: “As fezes já estão aqui” enquanto pegava o potinho e ela disse: “Não!!! Precisa abrir o cadastro dos exames todos juntos”, “Mas daí eu trago as fezes de novo amanhã?”, “Não!!! Tem que ser fresca...”

...

E ONDE VOCÊ QUER QUE EU ENFIE ESTA MERDA??? DE VOLTA NO CU???

Puta que pariu. Não falei isso. Eu sou educado. Também não arremessei o pote de fezes contra a fachada do laboratório, apesar de ficar extremamente tentado. Acabei dispensando-a em uma caçamba. Mas estava puto.

Fiquei puto com o descaso. Puto com a maneira como tratam o paciente. Como um ignorante, como um simples provedor de doenças, de dor, que para eles significa lucro. Lucro principalmente para os convênios de saúde.

Isso é muito errado. A saúde de um povo tem que vir acima de qualquer possibilidade. Se existe pesquisa, existe conhecimento e existe técnica, a saúde deve ser considerada patrimônio mundial e, assim sendo, ser executada de maneira imparcial, sem qualquer descriminação, seja raça, classe sexo, qualquer. Uma pessoa não tem que ter dinheiro para garantir seu direito de vida. Ele deve ser preservado até a última instância.

Parece um pouco de overeacting para o que me aconteceu, mas é que eu estava nos melhores hospitais, fui maltratado mas estou vivo. Só que eu não posso deixar de pensar no SUS, na rede pública, ou até em hospitais particulares rumo à falência, onde centenas de pessoas morrem por falta de recursos.

Inventou-se uma nova doença. A falta de dinheiro. E ela pode causar a morte.

Só vejo uma maneira de terminar este texto: defendendo um sistema de saúde universal, como existe na França, como existe em Cuba. Onde a pessoa é bem tratada, onde os médicos, enfermeiros e demais funcionários são bem pagos e não vão selecionar pacientes. Onde as doenças possam ser curadas pelo amor à vida e não pelo cheque mais gordo.

Toda vida tem o mesmo valor. Todo ser humano tem direito a vida.

Assita o filme Sicko, de Miachel Moore. Fala do sistema de saúde americano, mas ele é bem similar ao brasileiro no quesito convênios. Também mostra como funciona em Cuba e na França.

http://www.youtube.com/watch?v=Yd0_neRiR-E




Originalmente publicado em http://fotolog.terra.com.br/verbo01:43 -
10/12/2008 23:49

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