quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Sem Saúde

Já expressei aqui nesse blog minha dor e meu nojo em relação ao funcionamento do sistema de saúde brasileiro. E não estou falando do SUS exclusivamente, estou falando também das clínicas e hospitais particulares e principalmente dos planos e seguros de saúde, sem esquecer das indústrias farmacêuticas.

É preciso entender que a saúde das pessoas não deve ser medida em números. Ninguém deve ter um tratamento negado por não ter dinheiro, ninguém deve morrer na porta do hospital. Isso é ridículo.

Cada vez mais nós vemos situações degradantes. Já começa nas universidades. Ganhar dinheiro ou ter prestígio jamais deveria ser a meta de alguém que pretende tornar-se médico. Porém essa é a realidade. Os interesses comerciais, o lucro, vem acima da vida.

Agora que estou com a perna zuada estou em contato novamente com tudo isso, e não estou nada contente. Quem está doente deve ser cuidado com respeito e não tratado como objeto. O descaso de enfermeiros, assistentes, secretários e médicos me enoja.

Claro que não espero que eles sejam cheer leaders. Claro que eu sei que é o trabalho deles e não é todo dia que você vai pro trabalho de bem com a vida. Mas vai além disso. Se você não tem seguro não te atendem. Se você tem seguro tem que esperar a aprovação antes de atender, sendo que nem sempre aprovam.

Qual o problema desse mundo? Não é possível termos nos tornado tão indiviualistas a ponto de deixar uma pessoa sofrendo quando temos as ferramentas e a capacidade de acabar com esse sofrimento. Sem falar que ao receber seu diploma e seu título de Doutor eles todos juram jamais negar atendimento a quem precise. Hipocrisia.

Desse tempo todo que estou com a perna quebrada, apenas duas pessoas me deram o cuidado que eu precisava. O resto foi entre o médio para o excepcionalmente ruim.

Pessoas morrem na porta do hospital.

Citando Gabriel O Pensador: "Tá muito sinistro! Alô, prefeito, governador, presidente, ministro, traficante, Jesus Cristo, sei lá... Alguma autoridade tem que se manifestar!"

Acho que não preciso falar mais nada.
"Sem Saúde" de Gabriel O Pensador

Pelo amor de Deus alguém me ajude!
Eu já paguei o meu plano de saúde
mas agora ninguém quer me aceitar
E eu tô com dô, dotô, num sei no que vai dá!
Emergência! Eu tô passando mal
Vô morrer aqui na porta do hospital
Era mais fácil eu ter ido
direto pro Instituto Médico Legal
Porque isso aqui tá deprimente, doutor
Essa fila tá um caso sério
Já tem doente desistindo de ser atendido
e pedindo carona pro cemitério
E aí, doutor? Vê se dá um jeito!
Se é pra nós morrê nós qué morrê direito
Me arranja aí um leito que eu num peço mas nada
Mas eu num sou cachoro pra morrer na calçada
Eu tô cansado de bancar o otário
Eu exijo pelo menos um veterinário

Me cansei de lero lero
Dá licença mas eu vou sair do sério
Quero mais saúde
Me cansei de escutar...

"Doutor, por favor, olha o meu neném!
Olha doutor, ele num tá passando bem!
Fala, doutor! O que é que ele tem!?"
- A consulta custa cem.
"Ai, meu Deus, eu tô sem dinheiro"
- Eu também! Eu estudei a vida inteira pra ser doutor
Mas ganho menos que um camelô
Na minha mesa é só arroz e feijão
Só vejo carne na mesa de operação
Então eu fico 24 horas de plantão
pra aumentar o ganha pão
Uma vez, depois de um mês sem dormir,
fui fazer uma cirurgia
E só depois que eu enfiei o bisturi
eu percebi que eu esqueci da anestesia
O paciente tinha pedra nos rins
E agora tá em coma profundo
A família botou a culpa em mim
E eu fiquei com aquela cara de bunda
Mas esse caso não vai dar em nada
Porque a arma do crime nunca foi encontrada
O bisturi eu escondi muito bem:
Esqueci na barriga de alguém

Me cansei de lero lero
Dá licença mas eu vou sair do sério
Quero mais saúde
Me cansei de escutar...

Socorro! Enfermeira! Urgente!
Tem uma grávida parindo aqui na frente!
...Ninguém me deu ouvidos
E eu dei um nó no umbigo do recém-nacido
Mas o berçario tá cheio então eu fico
com o bebê no meu colo aqui no meio da rua
E lá dentro o doutor tá botando o paciente no colo:
- "Por favor, fique nua!"
"Quê isso doutor?! Tem certeza?"
- "Confie em mim. É terapia chinesa. Tira a roupa!"
"Mas é só dor de dente"
- "Então abre a boca! (Ahhh) Beleza!"
"Ai, doutor, tá doendo!"
- "É isso mesmo, o que arde cura"
"Não! Pára! Não! Pára doutor! Não pára, doutor! Ai... Que loucura!!!)
- "Pronto, passou, tudo bem.
Volta na semana que vem!"
Ela vai voltar pra procurar o doutor
Essa vai voltar, pode escrever!
Mas só daqui a nove meses,
com um filho da consulta na barriga querendo nascer

Me cansei de lero lero
Dá licença mas eu vou sair do sério
Quero mais saúde
Me cansei de escutar...

Que calamidade!
Dos bebês que nascem virados pra lua
e conseguem um lugar na maternidade
A infecção hospitalar mata mais da metade
E os que sobrevivem e não são sequestrados
devem ser tratados com todo o cuidado
Porque se os pais não tem dinheiro pra pagar hospital
uma simples diarreia pode ser fatal
- "Come tudo, meu filho, pra ficar bem forte"
"Ah, mãe! Num aguento mais farinha!"
- "Mas o quê que tu quer? Se eu num tenho nem talher?"
"Pô, faz um prato diferente, maínha!"
- "Eu ia fazer a tal da 'autopsia'
mas eu não tenho faca de cozinha!!"
Tá muito sinistro! Alô, prefeito, governador, presidente, ministro, traficante, Jesus Cristo, sei lá...
Alguma autoridade tem que se manifestar!
Assim num dá! Onde é que eu vou parar?
Numa clínica pra idosos? Ou debaixo do chão?
E se eu ficar doente? Quem vem me buscar?
A ambulância ou o rabecão?
Eu Tô sem segurança, sem transporte, sem trabalho, sem lazer
Eu num tenho educação, mas saúde eu quero ter
Já paguei minha promessa, não sei o que fazer!
Já paguei os meus impostos, não sei pra quê?
Eles sempre dão a mesma desculpa esfarrapada:
"A saúde pública está sem verba"
E eu num tenho condições de correr pra privada
Eu já tô na merda.