quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Rolezinho, Funk, Preconceito e Redes Sociais


Inacreditável como certas coisas só saem da nossa cabeça quando colocamos no papel. É a melhor maneira de colocar as ideias em ordem e tentar realmente explicar o que se passa entre uma sinapse e outra. O motivo deste meu texto é o tal do Rolezinho.

Desde que comecei a ver notícias a respeito de jovens sendo retirados dos shoppings pela força policial fiquei aterrorizado. Senti mais uma vez que estou vivendo em um país arbitrário, onde as leis realmente não servem a todos, mesmo quando passamos por uma época em que tudo é filmado e compartilhado pela rede.

Comecei então a compartilhar alguns desses posts e mostrar como eu estava indignado com tudo aquilo. Com o preconceito, com o racismo, com a intolerância. Com a maneira como aqueles jovens vinham sendo tratados, como se fossem animais. E ainda com o crescente número de pessoas que apoiavam aquela barbárie. Um número tão grande que rapidamente começou a agregar meus amigos e da noite pro dia comecei EU a ser atacado e ofendido pela rede, com os comentários mais esdrúxulos do mundo como “tá com dó, leva pra casa” ou “tá protegendo bandido (bandido?) porque não é com você” ou ainda “não acredito que você apoia esse funkeiros causando no shopping”.

Não. Não apoio. E é preciso entender isso para entender esse meu desabafo.


Quem me conhece sabe que eu acho funk uma merda. Assim como eu acho sertanejo universitário uma merda, assim como eu acho a grande maioria da cultura pop atual uma merda. Porra, eu tatuei ROCK N ROLL em letras garrafais nas minhas costas (o que nunca me impediu de gostar de Mozart, Caetano ou Sabotage). Acho esses modismos de um baixo nível técnico e intelectual gigantesco, na grande maioria das vezes não acrescentando em nada cultural ou artisticamente. Acho que em alguns casos essas músicas chegam a ser agentes de emburrecimento e acho triste a maneira como elas fazem tanto sucesso.

O Funk, assim como o Sertanejo Universitário, assim como o Forró Brega, assim como muita música pop, tem um só objetivo: oferecer entretenimento fácil e descompromissado, muitas vezes apresentando temas que mostram uma busca por felicidade imediata e igualmente fácil, a exemplo: sexo, pegação, balada, bebidas, dinheiro. Fácil de ouvir, fácil de sentir e principalmente fácil de consumir. Pra mim funk é Tim Maia, Sertanejo é Tião Carreiro e Forró é Luiz Gonzaga.

Estou falando de música, não de pessoas.

Eu não gostar, eu achar ruim ou eu não querer que meus filhos cheguem perto deste tipo de música, não significa que eu não preciso mais respeitar as pessoas que gostam. Pelo contrário, independente da minha opinião e do meu gosto musical, as pessoas tem o direito de ouvir e consumir a música que quiserem. Ponto.

Quando falamos de rolezinho não estamos falando de música, estamos falando de pessoas. E a conversa PRECISA ser diferente.


O primeiro caso que me recordo do chamado rolezinho foi no início de dezembro no Shopping Vitória. Um vídeo pulou na minha timeline com imagens que me lembravam os duros anos da extinta Febem, exceto pelas imagens terem sido feitas dentro de um shopping center. Vários jovens, negros em sua maioria, sem camisa, sentados com a mão na cabeça, sendo "escoltados" pra fora pela polícia, sob vaias e aplausos de outras pessoas presentes.

A mídia rapidamente tratou de anunciar o “arrastão” que supostamente teria acontecido no shopping. Depois de um tempo percebeu-se que por mais que as pessoas estivessem assustadas, por mais que os lojistas tivessem fechado às portas, nada havia sido roubado. Jovens detidos na delegacia foram liberados pois nenhum deles havia sequer cometido crime. Descobriu-se então que esses jovens não haviam organizado um arrastão, eles haviam organizado um baile funk que estava acontecendo nas redondezas do shopping e foi fechado pela polícia. Os jovens, que haviam saído de casa para buscar aquele entretenimento fácil citado acima, se encontraram cheios de energia e sem rumo algum. Rumaram ao shopping, local onde qualquer adolescente, independente da classe social, costuma ir para dar um rolezinho.

Causaram? Com certeza. Gritaram e cantaram e se comportaram de maneira inadequada para um shopping center? Definitivamente, como qualquer adolescente.

Foram mal-educados?

Sim. E continuam sendo, infelizmente. As escolas dos pobres não são como as escolas dos ricos. As escolas que os pais desses meninos frequentaram (ou não frequentaram) não são como as escolas que os pais dos meninos ricos frequentaram. As oportunidades são outras e a vida é mais dura pra quem tem menos. Como podemos falar em educação se tudo o que a sociedade exige, tanto do rico quanto do pobre, é consumir cada vez mais? Francamente, a realidade da favela é muito diferente da realidade dos jardins pra alguém achar que um grupo de adolescentes, depois de ser enxotado da rua pela polícia (a rua é pública), iria se portar com etiqueta dentro de um shopping center. Ainda mais com todo mundo olhando pra eles assustados.

O que aconteceu daí pra frente foi um fenômeno que ninguém havia previsto. Esses jovens, “arruaceiros”, “favelados”, descobriram que era possível se organizar e que com isso eles ganhavam força! Poderiam estar protestando contra a corrupção, ou contra a violência, ou contra qualquer outra agenda que os “intelectuais” dão importância, mas eles decidiram (consciente ou não) apenas usufruir do seu direito de ir e vir e ocupar um espaço aberto ao público. Conseguindo assim atingir seu objetivo de “causar” e chamar a atenção.


É, na minha opinião, uma forma de vomitar toda a repressão que receberam anos a fio de volta naqueles que representam o seu opressor. É algo do tipo: estou no meu direito, não estou fazendo nada errado e vocês vão ter que me engolir. Pena que ao invés de engolir, refletir e regurgitar algo novo, vemos a velha mão de ferro descendo pesada na juventude pobre. Vemos a velha segregação racial/social barrando-os na entrada. Vemos as “pessoas de bem” defendendo a ideia de que lugar de marginal não é no shopping, é na cadeia.

Lembrando a todos que marginal não significa bandido, hein? Apenas convencionou-se usar dessa forma.  Marginal é a palavra utilizada para àqueles que estão à margem da sociedade, afastados do centro (onde as coisas acontecem).

Como vivemos atualmente em uma sociedade de consumo, podemos considerar que esses antros consumistas chamados de shopping centers possuem um papel realmente central no funcionamento da sociedade. Nessa ótica fica fácil entender o pavor sentido pela classe dominante ao ver essa juventude marginal sair do “seu lugar” e começar a ocupar o centro. Difícil é ignorar a pobreza quando ela está visível e ao seu alcance, gritando no seu ouvido, sendo mal-educado, causando, rindo, se divertindo às custas das famílias que foram ao shopping gastar dinheiro, como lhes é de direito.

E por mais que eu seja contra essa sociedade de consumo, por mais que eu odeie shopping centers do fundo da minha alma, eu defendo o direito desses jovens, funkeiros, mal-educados, baderneiros etc serem consumidores também e frequentarem o shopping também e serem tratados com respeito também. Talvez o que mais doa na classe dominante seja o fato de pobres poderem consumir os mesmos produtos e as mesmas marcas dos ricos. O que antes servia para segregar agora nivela por baixo. Os funkeiros ostentação, principalmente, deixam claro que não querem mais marca de pobre ou produto do Paraguai. Eles querem a roupa de marca, a corrente de ouro, o Camaro Amarelo. Eles assistem às mesmas novelas da Globo e são influenciados pelas mesmas propagandas nos intervalos comerciais. Foram doutrinados a consumir do bom e do melhor mesmo que tenham que gastar todo o seu salário pra isso.

Nossa sociedade idiota não preza o ser, mas sim o ter. Se você tem o carro do ano, o relógio importado e o smartphone da moda, você automaticamente é melhor do que os outros sem nem precisar abrir a boca. Há tempos é assim e está ficando cada vez pior. E o interessante é que mesmo agora que os mais pobres conseguem ter aquilo que antes era só de ricos, eles continuam segregados.

Por isso vemos movimentos sociais trazendo à tona a discussão do racismo. Muita gente discorda, mas acompanhe meu pensamento:

Os seguranças dos shoppings (com ajuda da polícia em alguns casos) estão barrando jovens funkeiros de entrar. Pra definir quem é funkeiro e quem não é, eles julgam pela aparência. Não fazem perguntas, não checam as músicas do iPod, nada. Julgam pela aparência.




Resolvi buscar algumas das marcas preferidas dos funkeiros, como Mizuno, Oakley, Lacoste, Volcom, QuikSilver, Abercrombie, Nicoboco etc. Nenhuma delas custa os R$ 35,00 que eu pago numa camiseta no saldão da Renner ou os R$ 50,00 numa bermuda no Extra. Agora, o interessante é ver os modelos fotográficos dessas marcas:





Então me diga agora, qual a diferença entre as fotos dos funkeiros e dos modelos anunciados pelas marcas?

Se você falou “o fotógrafo”, errou! rs

Entende agora porque a discussão sobre racismo é necessária quando se fala sobre rolezinho? Vê agora que a discussão sobre política e direitos humanos é igualmente necessária? Mesmo quando os próprios organizadores do rolezinho não se importam com racismo, política ou direitos? Mesmo quando a intenção deles é só causar ou de repente “aparecer na TV”, a discussão faz-se necessária devido a violência que tem ocorrido ao privar esses jovens dos seus direitos. Privam-lhes do direito à educação, privam-lhes do direito ao consumo e agora privam-lhes do direito de entrar em um shopping.

E da mesma maneira que eu defendo os direitos dos babacas dos meus amigos que me reprimem pela minha posição ideológica, eu defendo os direitos de uma juventude babaca que quer causar no shopping.

A necessidade de "organizar um rolezinho" para um funkeiro poder frequentar um shopping e o fato da classe alta ficar aterrorizada ao ver um grupo de pobres em locais considerados exclusivos são a prova maior de como o Brasil tem alimentado uma cultura de desigualdade ao passar dos anos, o que só atrasa a evolução e desenvolvimento da nossa sociedade. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário